domingo, 25 de fevereiro de 2007

A hora do resgate

Depois de eternidades em que mundos foram criados e destruídos, vinte minutos após a hora zero, chega o motoqueiro do resgate, a ponta de lança do nosso sobrecarregado serviço de salvamentos. A primeira coisa que ele faz é perguntar quem tirou meu capacete e me dar uma puta bronca ao descobrir que fui eu mesmo. Aí de vingança ele toma meus óculos escuros e se recusa a devolver apesar do sol escaldante. Antes de me colocar na maca ele pergunta: está sentindo algo na coxa? Eu digo: só no pé. Quando ele põe meu pé na maca meus dedos se cravam no asfalto, onde a marca deve estar até hoje. Aí pensando que eu não estava desconfortável o suficiente, ou com medo que eu socaria a cara dele se ele se aproximasse o suficiente, ele me coloca aquela proteção de coluna no pescoço, adicionando claustrofobia ao meu rol de provações.

Passam-se séculos, eternidades, e a dor só aumenta. Meu braço está sobre os olhos devido à claridade. Quando tiro o braço por um momento vejo meu amigo Fabrício olhando pra mim. Fico emocionado. Terá sido coincidência, ele passava pelo local na hora x? Não, ele estava no meu trabalho quando a imbecil ligou lá, e veio correndo junto com Flavia e Chantal. Obviamente me senti muito melhor de ver rostos conhecidos, fiquei emocionado mesmo. Mais uns vinte minutos e chega a ambulância, que estaciona metade na calçada. Quando colocam minha maca na ambulância, que está inclinada uns 25 graus, eu fico com uma sensação constante que vou cair da maca apesar de estar amarrado nela.

E nada da ambulância seguir seu caminho!

Primeiro o guarda queria me multar por não estar portando a habilitação. E multou. Só faltou cuspir na multa e grudar ela na minha testa. Depois a ambulância não sabia pra onde ir. Alguém se surpreende que eu não tivesse a carteirinha do seguro? Achava que era só pra fazer exames. Eu insisto: me leva pro Einstein!! Eles dizem: pro Einstein a gente não leva. E propõem que me levem para o pronto-socorro comunitário da vila xurupita, nhocunhé ou pra um curandeiro espírita. Depois de muita discussão, consegui que uma médica no sírio-libanês autorizasse a ambulância a ir pra lá.

E mais de cinqüenta minutos depois da hora zero a ambulância sai com sua carga. Ao perceber certa ausência de movimento e barulho, pergunto, pelo amor de deus eu to sofrendo muito aqui, vocês não podem ligar a sirene e chegarmos logo? O Paramédico, que não tem autorização pra administrar uma aspirina sequer, diz que só ligam a sirene em caso extremo de risco de vida ou jogo do coríntians. Eu olho pra Flávia, que me acompanhava docemente na ambulância, pro paramédico e digo com a voz tremida: “Está ficando tudo escuro... luzes se apagando... ohhh... sirene?” E acreditem o filhadamãe dá risada mas não liga a sirene.



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