terça-feira, 21 de outubro de 2008

Enquanto isso, em mais uma cidade calvina...

Houve um tempo em que contavam-se as horas em cigarros, cujos aros de fumaça circulavam no ar roído. Dizia Destino, em seu jardim borgiano, que ao olhar para trás o caminho parece uma linha reta. Não falava se havia flores nos canteiros , concreto ou se esses atravessavam-se. Trajes de couro e linha, pós-apocalípticos, óculos de snowboard quase steampunks riscados e largados pela estrada, manchados de pele e fluidos escuros. Um elefante feito de bitucas e efigies mineiras merecidamente queimadas, todos os cds indestrutíveis que restaram após o apocalipse, ou nas palavras do grande historiador inseto, a grande liberação. Baratas e macarrões mutantes acendem cigarros de osso humano nas chamas da lava radiativa.

Uma barata chamada Eugene, homenagem ao último músico a sair vivo de chernobyl, risca uns acordes de sa-pateado no chão da sala, tipity tapity. Neste mundo não sobraram gatos, lhes foi oferecida digna carona pelos golfinhos. Em tom de homenagem os gatos disseram adeus e obrigado pelo atum, ato considerado um gigantesco faux-pass pelos golfinhos, que perderam muitos membros em redes de pesca de atum. Por que não voaram? vai explicar. Anos depois seriam mascotes espaciais do Lobo, enquanto dos gatos nem sinal.

Acreditando que, à moda da cadeia, cigarros seriam a grande moeda de troca no pós-apocalipse, os grandes fabricantes deixaram as máquinas ligadas no automático noite adentro e no dia seguinte não havia quem as desligasse. Cortadeiras de tabaco, mini usinas e toda a linha de produção continuaram cuspindo maços e maços de cigarro, intermináveis, para os quais Eugene acrescentava os referidos ossos e achava os mais diversos usos. Um deles, em um período específico de tempo e tédio, foi transformá-los em pixel art visível do espaço, pelos satélites sem uso e pela minúscula estação espacial, onde diz-se, um último casal de humanos permanecia.

Eugene pouco saía das centenas de quilometros que considerava seu território. Essas saídas acabavam resultando em indesejados encontros com os descendentes de bactérias extremófilas de diferentes taras. Sua comunicação era muito primitiva, tornando os diálogos áridos e funcionais. Eugene certificou-se que elas entendiam o significado de "not welcome" e elas, por sua vez, raramente entravam no território. Apesar de prestarem diversos serviços úteis, como comer a radiação residual que Eugene abominava, considerando-se mutado o suficiente, deixavam sempre um rastro como se fosse uma lesma gigante, mas muito mais difícil de limpar. Não se sabe que leis da física e da biologia foram rompidas para que um ser unicelular de meio metro de comprimento perambulasse pela terra, mas sabe-se que aquele rastro não sai nem usando tabaco - o bom-bril da época.

Entediado, Eugene pôs-se a praticar seu tipity-tapity.