(wild goose chases, car chases and no astronauts)
Um longo dia de trabalho. Pego o metrô e desço na Bedford Station. No caminho encontro a Juca. Ando com ela até o prédio dela e espero ela comprar leite. Um amigo de mestrado passa pela rua e me reconhece. Batemos papo por uns dez minutos. Ele fica olhando pra todos os lados. Faço uma piada do tipo “É esse bairro é perigoso!” e rimos.
Três quarteirões mais pra frente, ainda na avenida Bedford vejo dois policiais na esquina e me pergunto se eles não deveriam estar é na esquina da minha casa. Mais dois quarteirões, esquina da S3 com Bedford, eu vejo dois caras que parecem muito os meus assaltantes. Fico parado no lugar olhando eles passarem. Eles não me reconhecem ou fingem que não viram.
Um tinha a sobrancelha característica e o outro uma bandana idêntica na cabeça, apenas de outra cor. O conjunto dos detalhes, os dois juntos o jeito de andar e o fato de não parecerem bandidos me deram um feeling que eram eles, que logo viram a esquina. Vou até lá e os vejo andando. Resolvo dar a volta para cruzar de novo o caminho deles e tirar uma foto.
Enquanto dava a volta no quarteirão desisti de tirar foto. Ao invés procuro algo pelo chão e encontro um pedra, e saio eu com um pedaço de concreto na mão e nada na cabeça. Como sou um sujeito de sorte não cruzei os dois caras, que por sinal eram bem maiores do que eu lembrava...
Ligo pro Detetive, que não estava. Recomendam que eu ligue pro 911. Ligo pro 911 e digo que encontrei dois caras que talvez poderiam potencialmente ser os caras que me roubaram a agrediram e aviso que estou indo pra casa. Chego em casa, tiro os sapatos e vou pro meu quarto guardar a roupa limpa que tinha pego na lavanderia. A policia me liga e pede pra eu ir la fora. Imaginei que seria como da outra vez, que só ia falar com eles, e pra não perder tempo nem pus o sapato. O policial, não muito simpático, grita pra eu entrar no carro. Pergunto se preciso ir junto, ele diz que obviamente sim pra reconhecer os caras. Putz. Digo que vou pegar meu sapato lá dentro rapidinho. O cara grita “ENTRA NO CARRO, quem vai correr atrás dele somos nós e não você.”
Entro no banco de trás do carro da polícia. Muito apertado, não tem espaço para as pernas e uma barreira de proteção entre os bancos da frente e de trás. A janela não abre e me sinto ultra sufocado e claustrofóbico, efeito colateral do acidente. O cara sai a milhão, sirene no máximo, utilizando todos os truques que ele aprendeu na escola de polícia, derrapa em todas as curvas, da cavalos de pau pra voltar por onde veio, o escambau. E eu vou ficando com um enjôo insuportável. Meu telefone toca, um amigo que chegou em Ny quer saber qual a estação de metrô ao mesmo tempo que o policial grita mais perguntas.
“Estação Bedford, vai pra estação Bedford!” Digo ao telefone.
“Não me lembro das roupas um deles estava com bandana verde na cabeça. Bandana Verde!!” Digo pro guarda.
E é cavalo de pau pra lá e pra cá, peço pra abrir a janela o cara diz que tudo bem mas não destrava a janela, estou com uma mão no teto e outra na grade, suando frio e desse jeito vou vomitar. Isso arrasa de vez com meus sonhos de ser astronauta. Se passo mal no carro da polícia, imagina na centrífuga, em uma cápsula espacial girando etc. O carro derrapa de novo, perto da entrada de pedestres da ponte de Williamsburgh, o policial me pede pra ficar no carro e sai correndo atravessando a larga e movimentada avenida. Abro a porta pra respirar.
Um carro branco para ao lado com dois policiais e um deles (deja vu) diz pra eu entrar no carro e logo. Ele fica olhando com uma cara estranha pras minhas meias. Entro no carro, que é mais confortável e o vidro abaixa, iluminado de alívio. Esse policial não liga muito pra derrapadas e tal. O negócio dele é andar MUITO RÁPIDO, pela contramão, sinal vermelho o escambau, usando as sirenes pras pessoas saírem, por pouco, da frente. Enquanto isso um monte de carros de polícia junta-se à perseguição. Ouço pelo rádio que o suspeito estava escondido em uma viela nos conjuntos habitacionais. Quando damos a última derrapada tem uns dez carros de polícia em volta mais um monte de carros de polícia disfarçados, com luzinhas e sirenes dentro mas que por fora não parece polícia.
Fora isso tem uns trinta policiais na rua, a maioria correndo, mil sirenes tocando. Policiais à paisana vestidos de jovem hipsters correndo com distintivo na mão, e sem brincadeira, uns trezentos judeus em volta. Todos com as mesmas roupas de duzentos anos atrás, mesmas costeletas, mesmos óculos ( e muitos de óculos, deve ser de tanto cruzar entre parentes). As mulheres com os mesmo casacos e mesmas perucas. É definitivamente um uniforme, o sujeito deixa de ser um indivíduo e passa a ser um representante do todo. Mas isso é outra história. De volta ao assunto principal.
Os policiais correm pra todo lado, os judeus se agitam e dois policiais esbaforidos entram no carro. Um deles diz que precisa parar de fumar. Pegaram o cara da bandana verde. Também que imbecil! Eu nem lembrava das roupas deles, pegaram pela bandana mesmo.
O cara me diz que agora vamos reconhecer o suspeito. Eu gelo no lugar e pergunto se o cara não vai me ver, e que ele sabe onde eu moro. Ele me assegura que não. O carro dá a volta no quarteirão e para a dez metros de outro carro. Tiram o suspeito lá de dentro e vários policiais me perguntam se esse é o cara. Digo que não tenho certeza. Colocam o cara dentro do carro de novo e param o carro bema o lado, banco de trás com banco de trás. Absolutamente não confio em um mero insulfim pra proteger minha identidade e só não ponho a camiseta no rosto pra não pegar mal.
O problema é o seguinte: Quando vi os dois juntos, acho que reconheci basicamente a sombrancelha de um e a bandana do outro, a relação entre o tamanho deles, o jeito de andar. Mas quando me mostram um cara sozinho, sem bandana eu não tenho nem como saber se era o cara da bandana. Os policiais estão irritados e me pedem yes ou no. Digo que não tenho certeza, se vale sete de dez. O guarda diz que o District attorney vai perguntar yes or no. Digo que não tenho 100% de certeza e que entre yes ou no sou obrigado a dizer no. Eles não gostam disso, afinal foi uma puta correria e o cara tentou fugir tresloucadamente, então culpado de algo ele era. Minha falta de certeza não foi nada bem-vinda.
Enquanto o guarda me leva pra casa eu pergunto se pegaram o outro cara (não), se o cara que pegaram estava armado (não). E que pro cara ter cruzado a avenida correndo devia ter culpa mesmo, de algo. De noite eu fico com a sensação que eram eles mesmos: Estavam na mesma área, eram parecido e correram. Se eu dissesse com certeza que foi ele, dariam ao menos cinco anos de cadeia. E se não fosse ele? Não posso ser responsável por colocar um inocente na cadeia. Não tenho 100% de certeza quer dizer que não tenho. Iam checar o cara, ver se tinha algum mandado de prisão e tal.
Minha situação acaba sendo a seguinte: Prenderam um cara que possivelmente é o imbecil que me deu o soco. O cara que era o armado fugiu. Eles sabem onde eu moro. Talvez tenham me reconhecido na rua. Já falei que eles sabem onde eu moro? Pois é, eles sabem.
E se não tinha mandado de prisão o outro vai estar na rua logo logo.
Perguntei pro pessoal do mestrado se eu deveria ficar tranquilo agora ou se esse era o momento de surtar em pânico. Sameer falou com um advogado e me mandou uma interessante. Vou postar nos comments.
Fora isso acho que continuo enjoado. O mais próximo que consigo chegar de astronauta a essas alturas é alugar um carro, vestir uma fralda e uma peruca e dirigir através do país para ir ameaçar rivais amorosos.