segunda-feira, 26 de junho de 2006

Psicanálise, ou Pensamentos no lounge do hotel, a poucas horas de deixar Cannes

Ando rapidamente fugindo do sol, mas ainda assim meu nariz ficou vermelho e pareço um velho marinheiro francês, ou o asterix bêbado.

Estou absolutamente drenado, e esse extremo, assim como a doença de Nietzche acelera meu cérebro e coração, exaurindo o que já não havia de energia pra gastar.

Passei a semana trabalhando como nunca, ultrapassando os limites do esgotamento e chegando a passar mal fisicamente. A Semana foi up – adrenalina ao máximo, ansiedade, expectativas, um papel a cumprir e outro a representar. Estar aos olhos do mundo, vencer meù recolhimento e abordar pessoas, explicar incessantemente o que fazemos, administrar o meu irascível velhinho de estimação, que mesmo tendo cumprido seu papel, cobrou altos impostos da minha paciência.

Aí acaba o festival, as pessoas vão todas embora, meu sócio já foi e ando pela rua dantibes, olhando as montras despreocupadamente e sem amigos com quem conversar. O fim de semana foi down – a contra-curva de tudo que houve

Depois de tanto coisa, meu corpo e alma cobraram seu preço, numa espécie de mal-estar contínuo, mas meu cérebro não desalecera, penso nas mil coisas que tenho que fazer, centenas de follow-ups, na minha vida passada e futura e isso se exagera a um ponto que quando vou dormir pensamentos tornam-se sonhos, e vice versa.

Há quase uma semana tive um pesadelo horrível, acordei com vontade de chorar, e depois quase chorei porque a droga da sensação não me largava mais, e esse sonho remetia diretamente à conversa do dia anterior durante o jantar. Alguns dias depois tive um sonho lindo e perfeito, e ao contrário do pesadelo, esse me deixou rapidamente, e acordei com uma tristeza ímpar daquilo tudo não existir, como se eu realmente tivesse tudo aquilo que tinha no sonho e houvesse perdido.

E assim estou na França, pelas ruas já não tão cheias de Cannes, esse lugar lindo cheio de ruazinhas medievais que eu aprendi a gostar, mas já não suporto estar aqui, hoje de manhã tomei um café da manhã de despedida com meu sócio-velhinho e quando ele começou a falar de trabalho juro que tive pensamentos assassinos.

Escrevi ontem, depois de muitos ensaios, para alguém que me foi muito importante, tendo me dado conta que preciso chegar a termos com minhas escolhas imperfeitas de outra forma. Tracei um paralelo com meu pai, pude entendê-lo melhor, e assim talvez possa vir a termos comigo mesmo, e talvez por entender melhor o caminho dele, eu possa tomar outro.

Em relação a separação dos meus pais – As frases do meu pai são : sou que nem japonês, não volto atrás. Não penso nada no passado. A vida é feita de escolhas imperfeitas. E hoje em dia, meu pai não fala com a minha mãe, se sente mal quando a encontra em raras e acidentais vezes, e deixou de comparecer ao casamento da filha talvez, em boa parte, por isso. Eles estão separados há 20 anos.

E eu entendo, ele sofre – as escolhas imperfeitas, ao contrário do que diz o discurso, tem o poder de assombrar. Claro que temos que seguir em frente, sempre. Mas o que deixou de ser não desaparece, e assim evitamos as situações em que vislumbramos tudo o que não foi. Foi o que tentei fazer, mas não quero ter dor de barriga vinte anos depois. Ou dois. Assim, no que talvez seja um erro, resolvi me abrir a todos os diálogos possíveis, comigo, com o mundo e com o passado. Afinal o Gasparzinho era no fundo um fantasma camarada, mas todos morriam de medo dele.

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